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Por que manter o peso após a dieta é mais difícil do que emagrecer?

Médico endocrinologista, Guilherme Renke explica os mecanismos biológicos que tendem a estimular a ingestão de alimentos e deprimir o gasto de energia. Entenda

O que poderia ser mais difícil do que perder peso? Manter o peso ideal! É comum ouvirmos das pessoas que mais difícil que perder peso é conseguir mantê-lo após uma dieta, muitas vezes através de dietas restritas e mais sacrificantes. O ganho de peso é frequentemente atribuído à falta de adesão dos pacientes e esta interpretação simplista é baseada na falsa suposição de que o peso corporal é apenas uma questão de autocontrole, aumentando assim a estigmatização generalizada das pessoas com obesidade como preguiçosas. Mas a ciência nos mostrou o contrário. Agora sabemos que o peso corporal e a massa gorda são regulados por vários mecanismos fisiológicos, muito além da ingestão voluntária de alimentos e da realização de exercícios físicos.

O peso corporal e a massa gorda são regulados por vários mecanismos fisiológicos, muito além da ingestão voluntária de alimentos e da realização de exercícios físicos — Foto: Internet

Um grande corpo de evidências experimentais mostrou que as tentativas voluntárias de perder peso ativaram mecanismos biológicos potentes que tendem a impedir a perda de peso e restaurar o peso corporal anterior e os níveis de massa gorda. Vamos compreender alguns papéis fisiológicos os quais possibilitam a recuperação de peso.

O papel dos hormônios intestinais

Os hormônios intestinais foram identificados como os principais reguladores da homeostase energética, atuando nos circuitos cerebrais que impulsionam o comportamento alimentar. Esses circuitos fisiológicos evoluíram em condições em que a disponibilidade de energia era escassa. A restrição de energia através de uma dieta ativa impulsos compensatórios poderosos destinados a resistir à perda de peso e defender o peso corporal maior.

Ou seja, nosso corpo tende a querer retornar ao peso maior antes de uma dieta restrita, alterando o perfil da secreção de hormônios intestinais para restaurar as reservas de energia.

Estudos mostram que após uma dieta de baixa energia calórica, há alterações hormonais intestinais desfavoráveis combinadas com o aumento dos níveis de fome, fazendo com que o peso pré-intervenção infelizmente retorne.

Mas felizmente a composição das dietas usadas para atingir a perda de peso também tem impacto sobre os perfis de secreção de hormônios intestinais. Alguns estudos mostraram que um perfil de dieta mais cetogênica, eliminando carboidratos e consumindo mais proteínas, pode interromper os aumentos de grelina (hormônio da fome, que aumenta o apetite), enquanto a cetose é mantida. Entretanto, mesmo com dietas cetogênicas, níveis aumentados de grelina e fome ocorrem com a reintrodução de uma dieta variada. Em um estudo em adultos com obesidade comparando a secreção de GLP-1 com dieta pobre em carboidratos e dieta pobre em gorduras, o GLP-1 permaneceu estável no grupo de baixo carboidrato, mas reduzido na dieta pobre em gorduras. Ou seja, foi mais favorável a dieta pobre em carboidrato, pois GLP-1 é um hormônio intestinal anorexígeno, o qual tende a diminuir o apetite.

Compreender os fatores genéticos e fisiológicos que fundamentam a variabilidade em resposta às intervenções de restrição energética e suas sequelas fisiológicas antecipadas levará ao desenvolvimento de estratégias mais eficazes para perda e manutenção de peso.

Adaptação metabólica

O gasto de energia em repouso é responsável por 60-70% do gasto de energia em 24 horas em humanos e é determinado principalmente pela composição corporal. A perda de massa magra que acompanha a perda de peso voluntária e involuntária está, portanto, associada a uma redução esperada do gasto de energia em repouso. Infelizmente, ele reduz após a perda de peso mais do que o esperado de acordo com as mudanças na composição corporal. Essa lacuna entre o gasto energético observado e previsto após a perda de peso é chamada de adaptação metabólica. Vários estudos, desde 1995, confirmaram e conceituaram a adaptação metabólica após uma grande perda de peso, levando a pessoa a “gastar menos energia” enquanto está em repouso, e assim favorecendo a recuperação de peso.

Um objetivo importante durante a perda de peso é maximizar a perda de gordura corporal enquanto minimiza a perda de massa livre de gordura metabolicamente ativa. Estudos limitados de perda modesta de peso sugerem que adicionar exercícios a um programa de perda de peso pode ajudar a poupar a massa magra. A ciência já mostrou que indivíduos submetidos à perda de peso rápida e massiva por meio de uma combinação de restrição alimentar e atividade física vigorosa preservaram grande parte da massa magra, supostamente devido à manutenção ou possível aumento do tecido muscular esquelético durante o programa de exercícios vigorosos.

Portanto, altos níveis de atividade física pode preservar a massa magra, evitando assim a desaceleração da taxa metabólica durante a perda de peso ativa.

Desejo sem fim por comida, um vilão

Por a comida ser essencial para a sobrevivência, desenvolvemos processos motivacionais eficientes, que direcionam nossa atenção e desejo por comida e o prazer de comer, que por sua vez podem levar ao consumo além de nossas necessidades metabólicas. Nosso sistema de recompensa alimentar pode anular a sinalização de saciedade, permitindo-nos comer quando não sentimos fome e minar a capacidade de exercer controle sobre a alimentação. Isso se torna problemático em ambientes “obesogênicos” ocidentalizados modernos, nos quais alimentos densos em energia são facilmente acessados e alimentos saborosos são fortemente comercializados

Em pesquisas sobre comportamento humano, o aumento do desejo por comida foi associado ao aumento do IMC. Além disso, o desejo por comida e a responsividade aos estímulos alimentares aumentam em pessoas que estão aderindo a uma dieta restrita em energia, e esse efeito é mais pronunciado em pessoas que vivem com obesidade. Em conjunto, isso sugere que as pessoas que vivem com obesidade podem ter maior dificuldade em lidar com as consequências da dieta, sugerindo uma vulnerabilidade biológica para ganho de peso e resultando em comportamentos alimentares que levam ao consumo excessivo de energia, como preferência por alimentos ricos em gordura (gosto) e forte atração por alimentos palatáveis.

Dada a complexidade da obesidade, não é surpreendente que estudos transversais tenham mostrado inconsistências nas vulnerabilidades neurobiológicas para ganho de peso. Há claramente muita variabilidade individual no ganho de peso relacionado à recompensa. Alguns estudos usando a neuroimagem mostraram que os indivíduos em risco de obesidade mostram uma hiperresponsividade dos neurocircuitos de recompensa aos gostos de alimentos com alto teor calórico.

Estratégias para evitar o reganho de peso

1. Atividade física é fundamental. O exercício regular é conhecido por reduzir a inflamação em humanos e vários mecanismos para este efeito foram propostos, como uma redução na massa de tecido adiposo, aumento da produção de citocinas anti-inflamatórias pelo músculo esquelético ativo e uma redução na liberação de citocinas pró-inflamatórias. Além disso, o aumento da massa magra é fundamental para diminuir os efeitos da temida adaptação metabólica, quando é reduzido o gasto energético em repouso após uma grande perda de peso.

2. Manter o nível adequado de proteínas na dieta também é muito importante para evitar a diminuição da taxa metabólica basal. Há vários estudos que comparam dietas ricas em proteínas (faixa de 18-30% da ingestão energética) versus dietas de proteína média (ingestão de 15% de energia) e mostraram melhor perda de peso e melhor manutenção com alta proteína do que com dietas de proteína normal.

3. A inflamação também pode ser influenciada pela dieta! Estratégias anti-inflamatórias também são recursos que auxiliam nesta busca para manter o peso ideal. Uma alimentação com caráter mais anti-inflamatório, rica em verduras, frutas e boas fontes de gordura, evitando alimentos processados e ricos em açúcar, aditivos e gorduras de má qualidade, já será um grande passo em direção ao caminho anti-inflamatório. Há vários nutracêuticos com poderes anti-inflamatórios que podem também ser suplementados, como a curcumina, o resveratrol e o ômega-3. Para isso, é fundamental a orientação de profissionais da saúde, principalmente nutricionistas.

Percebe-se que a tendência de reganho de peso observada após a perda de peso não é atribuível de forma simplista à perda de motivação ou adesão do paciente, mas é impulsionada por potentes mecanismos biológicos que tendem a estimular a ingestão de alimentos (hormônios intestinais) e deprimir o gasto de energia (adaptação metabólica). Esse quadro precisa ser levado em consideração no planejamento de intervenções de manejo a longo prazo em pacientes com obesidade. Por isso, é de grande importância o acompanhamento médico e nutricional para a eficiência a longo prazo de estratégias terapêuticas para perda de peso.

Referências bibliográficas:

1. Darcy L. Johannsen, Nicolas D. Knuth, Robert Huizenga, Jennifer C. Rood, Eric Ravussin, Kevin D. Hall, Metabolic Slowing with Massive Weight Loss despite Preservation of Fat-Free Mass, The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism , Volume 97 , Edição 7, 1 de julho de 2012, Páginas 2489–2496.

2. Luca Busetto, Silvia Bettini, Janine Makaronidis, Carl A. Roberts, Jason C.G. Halford, Rachel L. Batterham, Mechanisms of weight regain., European Journal of Internal Medicine, 2021, ISSN 0953-6205.

3. VAN BAAK, Marleen A.; MARIMAN, Edwin CM. Mechanisms of weight regain after weight loss—the role of adipose tissue. Nature Reviews Endocrinology, v. 15, n. 5, p. 274-287, 2019.

Por: Guilherme Renke – Rio de Janeiro

Fonte: Guilherme Renke, Médico endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e Médico do Esporte Titular da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte

Transcrito: https://globoesporte.globo.com/eu-atleta/saude/post/2021/01/28/por-que-manter-o-peso-apos-a-dieta-e-mais-dificil-do-que-emagrecer.ghtml

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