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Overtraining no ciclismo: sintomas, consequências e dicas para equilibrar vida e pedaladas

Médico do esporte e treinador dão orientações para atletas amadores não sofrerem com a síndrome, que afeta músculos, articulações, sistema imunológico e sistema nervoso central

Pedalar é uma atividade tão empolgante que muitos ciclistas acabam passando dos próprios limites e caindo na armadilha do overtraining, que acontece quando a pessoa faz mais exercícios do que o corpo pode aguentar e acarreta numa síndrome que afeta músculos, articulações, sistema imunológico e sistema nervoso central. Ninguém nega os inúmeros benefícios que o uso da bike proporciona. Mas também não se pode negar o fato de que, animados com a prática e o alcance dos resultados pretendidos, seja de desempenho, seja de emagrecimento, ciclistas podem apresentar sinais de overtraining. Atletas com essa síndrome não fazem as recuperações muscular, hídrica e alimentar proporcionais ao esforço realizado durante sua rotina de treinamentos. E aí o efeito será bem diferente do esperado.

O médico do esporte Páblius Staduto Braga comenta que, conforme evoluem na prática de uma atividade, as pessoas tendem a querer superar seus limites. Mas é preciso prudência para evitar riscos à saúde, incluindo as chances dessa síndrome. O alerta vale especialmente para quem busca performance ou treina por conta própria. É preciso ter em mente que não se pode manter um ritmo acima do normal por muito tempo. Braga é enfático: não há treino saudável que não preveja descanso.

– Treino que acrescenta benefício tem que ter um intervalo para o corpo se recuperar. Quanto mais intensa a prática, mais descanso será preciso. O atleta amador também precisa estar atento a isso. Não será um bom treino se não existir o repouso, que faz parte da dinâmica de melhora de condicionamento físico. Sem descanso, o corpo cobrará em algum momento – afirma Braga, que é médico do esporte do Centro de Medicina Especializada do Hospital Nove de Julho.

Treinador de atletas de peso como Henrique Avancini, campeão mundial de ciclismo mountain bike em 2018 e atual detentor do título brasileiro de MTB cross country, Hélio Souza acrescenta que esse não é um problema apenas para atletas de nível profissional. Amadores estão sujeitos a esse quadro. Especialmente se, ao contrário dos atletas profissionais, não contarem com o suporte de um treinador. Afinal, começar a pedalar é fácil. Basta ter uma bicicleta, além dos equipamentos necessários para segurança e conforto.

Porém, se a pessoa pretende adotar a prática como um esporte, é preciso contar com orientação profissional para estabelecer um treinamento que preveja uma recuperação adequada. Isso sem contar com situações em que é preciso dar uma pausa nas pedaladas, como após consumo de bebidas alcoólicas e em casos de gripe.

– Pedalar é muito motivador. Você consegue romper barreiras e se superar, principalmente no início. Mas há um alerta importante: o aumento de desempenho não deve ser só exponencial. É preciso respeitar o organismo. Mesmo quem tem boa forma física deve ter períodos de destreino, pedalando com menor carga e menos tempo na bike, para prolongar essa boa forma e poder se manter no esporte. Para isso, é preciso contar com um profissional, que avaliará o desempenho e saberá definir o treino – alerta Souza.

Braga reforça a recomendação de contar com o apoio de profissional de Educação Física com experiência. Não há problemas em treinar muito. Errado é não ter uma boa orientação para isso. O médico do esporte sugere supervisão de treinador que entenda de fisiologia e até acompanhamento de nutricionista esportivo, para que o atleta faça uma reposição energética condizente com o gasto que a atividade promove.

– Se a pessoa não tem acompanhamento de quem entende do esporte, corre esse risco de overtraining, sim. Sentar na bicicleta e rodar não é difícil. Mas é preciso orientação para que se faça com volume adequado para se construir uma história com o esporte, sem o risco de se afastar e perder completamente o rumo do que se havia planejado – completa o médico.

Sinais de overtraining

O treinador afirma que não há sintomas dessa síndrome que sejam próprios ao ciclismo. Segundo Souza, que também é educador físico, os sinais do problema entre ciclistas são semelhantes àqueles experimentados por atletas de outras modalidades que se excedem em volume e intensidade de treinamento e deixam a desejar em recuperação. Contudo, alguns esportes tendem a apresentar uma incidência maior quando comparados a outros, seja pela pressão individual ou de equipe por resultados ou mesmo pelas características da atividade física.

– No ciclismo de estrada, por exemplo, os trajetos são longos e o ciclista passa muitas horas na bicicleta. Por esses fatores, quando comparados a outras modalidades, o atleta pode ter mais chances de overtraining – observa.

Com o apoio do médico do esporte e do treinador de ciclistas, listamos a seguir alguns dos sinais que indicam que pode haver um quadro de overtraining. Lembrando que a síndrome não se manifesta por um único sintoma. O atleta pode perceber diversos indicativos do problema.

. Perda de desempenho. Essa é uma das primeiras manifestações. Um exemplo é se o ciclista fazia um trajeto em duas horas e passa a cumpri-lo levando um tempo maior e com mais dificuldade. Outro sinal é se o cansaço pós-treino ou no dia seguinte passam a ficar cada vez mais intensos com uma frequência prolongada. Há atletas amadores que, na falta do suporte de um treinador, tendem a achar que a perda de desempenho deve ser corrigida com mais horas de treinamento e aumento da intensidade. Mas essa prática pode piorar ainda mais o quadro. Além de casos em que o ciclista tenta pedalar e não consegue manter o giro, há aqueles em que ele nem se aproxima da bike, tamanha a indisposição para o exercício;

. Alterações do sono por um período prolongado. A pessoa não consegue descansar de forma suficiente e passa até a sofrer com insônia;

. Mudanças no apetite. Em geral, há uma perda da vontade de comer. Dessa forma, o atleta não faz um aporte energético proporcional ao gasto durante o treino, passando a experimentar perda de peso. Mas há casos de pessoas que veem o peso aumentar. Isso porque, embora consigam realizar o aporte necessário, o organismo não trabalha de forma suficiente para metabolizar o que foi consumido. Associado a um sono de baixa qualidade, esse problema de ganho de peso pode ser agravado;

. Presença de infecções, especialmente das vias aéreas, em função de uma diminuição da imunidade. Se a ocorrência de gripes, resfriados, dores de garganta e até rinite e sinusite, por exemplo, passam a ser recorrentes em um curto período de tempo, é um sinal de alerta;

. Alterações de humor. A pessoa passa a apresentar comportamentos e temperamentos distintos do seu habitual, seja no ambiente familiar, entre amigos ou até no trabalho;

. Fadiga e dor muscular. Se o ciclista realiza um percurso e não consegue refazê-lo por esses motivos, é sinal de que algo está errado e que precisa ser verificado.

Um quadro de overtraining demanda uma avaliação e diagnóstico, de preferência por especialista na área de Medicina do Esporte. Souza comenta que há outros problemas que podem se apresentar com sinais semelhantes. É o caso da síndrome de Burnout ou do esgotamento profissional, distúrbio emocional caracterizado por exaustão extrema e estresse decorrentes de trabalho. Sem contar com o overreaching, quando a pessoa também passa a apresentar queda de rendimento ao praticar seu esporte num curto prazo, uma espécie de pré-overtraining mais facilmente resolvido com a diminuição da intensidade de treinos. No overreaching, o sintoma é mais transitório, e não prolongado como no overtraining, em que há uma perda de rendimento de médio e longo prazos.

– Se a pessoa tem perda de rendimento por duas semanas e melhora na sequência, é sinal de overreaching. Overtraining é algo que perdura por muito tempo e que acontece com quem coloca uma sobrecarga grande no organismo e tem recuperação insuficiente, incluindo hábitos alimentares e descanso inadequados. É preciso ter um balanço entre exercício e recuperação. Há ciclistas que treinam com alta carga mas não entram em overtraining porque se recuperam dessa sobrecarga. Mesmo com esse tipo de treino, conseguem ter um menor desequilíbrio – explica o treinador e profissional de Educação Física.

Como evitar

Com a ajuda dos profissionais consultados pelo EU Atleta, preparamos algumas orientações para se evitar o risco de overtraining no ciclismo:

1. Procure fazer parte um grupo de ciclistas, de preferência que conte com suporte de um treinador. O fator social é muito importante para se manter na atividade e também para ter contato com informações sobre a atividade. Cuidado apenas para não comparar os seus resultados aos dos colegas de grupo, sob o risco de colocar mais carga e menos recuperação no seu treino. Respeite o seu corpo e os seus limites. Caso contrário, em vez de algo positivo, a experiência será prejudicial à sua saúde;

2. Conte com um profissional de Educação Física com experiência em ciclismo para ter uma orientação de treinamento individualizada, que preveja cargas e períodos de treino e recuperação adequados. Esse apoio será importante ainda para manter um equilíbrio e evitar sobrecarga de outras atividades físicas que possam fazer parte da rotina, como musculação e corrida, por exemplo;

3. Faça uma recuperação energética e hídrica, com reposição de eletrólitos, condizente com o seu treino. Tudo isso faz parte do estímulo da recuperação. Para ter recomendações mais precisas, consulte nutricionista;

4. Se usa a bike por esporte mas no dia a dia ela é uma companheira para ir ao trabalho, não considere essa prática como uma continuidade do seu treino. É preciso pedalar em um ritmo mais tranquilo e também fazer pausas ao longo do caminho para evitar se cansar, especialmente se esse deslocamento for longo. Alguns estudos apontam que, para casos de overtraining, a intensidade do exercício com recuperação pequena tem potencial maior de causar o problema do que o volume de exercício. Portanto, se você pode fazer o trajeto em meia hora, desacelere e passe a aumentar esse tempo em pelo menos 5 minutos;

5. Após uma prova ou uma atividade intensa no final de semana, por exemplo, dê uma pausa no dia seguinte ou por um período mais longo, se necessário, e retome com uma intensidade menor. Será preciso recuperar as reservas imediatas de energia do seu corpo;

6. Especialmente se estiver iniciando no ciclismo, não tenha pressa para aumentar carga, tempo e volume das pedaladas. Se tem o hábito de pedalar meia hora por dia, não passe para duas horas de um momento para outro. Vá progredindo gradativamente, de preferência com uma orientação profissional;

7. Evite estresse excessivo e mantenha equilíbrio entre o esporte, trabalho e família. Cuidado para não se comprometer com muitas tarefas e acabar afetando a qualidade do treino e da sua vida. Em alguns momentos, será preciso diminuir o volume e a intensidade do pedal, para ter uma recuperação compatível com o seu momento de vida. Se há uma situação tensa no trabalho ou se realizou muitas viagens profissionais em um curto espaço de tempo, pode ser indicado desacelerar no ritmo das pedaladas;

8. Verifique sempre os sinais que o seu corpo dá. Ao notar um desgaste maior, cuide melhor da sua recuperação, para ter mais qualidade nas sessões seguintes. Descanse e se alimente bem, esquecendo um pouco a preocupação com a performance e a estética para preservar o seu corpo;

9. Atente ainda para marcadores que não necessariamente indicam que há um quadro de overtraining, mas que são sinal de alerta, como alterações de frequência cardíaca, incluindo em repouso, e hormonais. Mulheres devem observar, por exemplo, mudanças e falta de regulação no ciclo menstrual. Converse com seu médico, nesses casos. Além disso, mantenha a periodicidade do check-up com o médico cardiologista conforme indicado para o seu caso, uma vez que pessoas com condições cardiovasculares demandam acompanhamento mais frequente do que a verificação anual indicada para aquelas saudáveis.

O que fazer ao notar os sintomas

A recomendação é adotar as medidas preventivas para não chegar a ponto de ter um diagnóstico de overtraining. Mas, se ainda assim notar os sinais de cansaço por um período prolongado associados a alterações do sono ou do apetite, por exemplo, acenda um sinal de alerta e adote os seguintes cuidados:

1. Observe como estão o seu treino e a sua rotina de vida. Se há um estresse acumulado, dê uma pausa ou diminua o ritmo dos treinos;

2. Consulte o seu médico. Vale até procurar um especialista em Medicina do Esporte, que poderá realizar um diagnóstico preciso no caso de overtraining;

3. Converse com o profissional de Educação Física responsável pelo seu treinamento para realização de ajustes. Se não conta com esse apoio, considere buscar essa orientação para garantir carga e volume de treinos adequados.

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Por: Gabriela Bittencourt, para o EU Atleta — Aberystwyth, País de Gales

Fonte: Páblius Staduto Braga,médico do esporte do Centro de Medicina Especializada do Hospital Nove de Julho.

Henrique Avancini, campeão mundial de ciclismo mountain bike em 2018 e atual detentor do título brasileiro de MTB cross country,

Transcrito: https://globoesporte.globo.com/eu-atleta/noticia/overtraining-no-ciclismo-sintomas-consequencias-e-dicas-equilibrar-vida-e-pedaladas.ghtml

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