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Como a alimentação pode ajudar no combate à depressão

Enquanto ultraprocessados, açúcar e gordura podem contribuir para esses quadros, uma dieta balanceada é aliada no tratamento da doença. Veja dicas de especialistas

Embora muita gente busque na comida uma forma de aliviar as emoções, especialistas argumentam que o efeito pode ser o oposto. Em um estudo recente, pesquisadores observaram que enquanto fast food e de alimentos com alto índice glicêmico estimulam o estresse mental em mulheres, uma alimentação rica em frutas, vegetais verde-escuros e peixe influencia menos sobre esse quadro. No caso específico da depressão, pesquisas sugerem que pode haver uma relação entre padrões alimentares e o risco de depressão. Para saber mais sobre os impactos da dieta sobre essa doença, o EU Atleta conversou com a nutricionista Bartira Lopes, a psiquiatra Maria Francisca Mauro e o psicólogo Renato Caminha. Segundo os especialistas, o que se come pode influenciar nesses quadros psicossomáticos.

É claro que a prevenção e o enfrentamento desse problema não devem se pautar apenas na dieta. Depressão é uma doença psiquiátrica, que pode ser desencadeada por diversos fatores, incluindo hereditariedade, e requer tratamento individualizado. Confira nove dicas para fazer da alimentação uma aliada contra casos de depressão.

Pessoas buscam alimentos hiperpalatáveis para aliviar emoções, mas efeito pode ser oposto e agravar quadros depressivos — Foto: Internet

1. Fuja aos alimentos industrializados e ultraprocessados, como salgadinhos, biscoitos e carnes processadas, que são ricos em açúcar, gordura e aditivos. Esses produtos afetarão a função intestinal, são muito prejudiciais à saúde e, como sugerem estudos e a prática dos especialistas, também impactam em casos de depressão;

2. Evite os fast food. Para isso, uma dica é restringir o uso de aplicativos de comida, que oferecem praticidade, mas podem ter efeitos no bolso e no corpo, e optar pelos preparos em casa. Planeje-se, vá à feira e cozinhe mais, criando uma relação positiva com a comida;

3. Atente-se para o consumo de açúcar, que tem forte associação com quadros depressivos. Já se sabe que produtos industrializados devem ser evitados, mas vale um reforço em relação aos refrigerantes. Seu consumo é muito prejudicial à saúde e, como é rico em açúcar, também pode ser um agravante em casos de depressão;

4. Evite bebidas alcoólicas, que também podem desencadear esses quadros;

5. Prefira o consumo de frutas, legumes e verduras;

6. Inclua alimentos ricos em antioxidantes e anti-inflamatórios na dieta, como frutas e ômega-3, a exemplo dos peixes. Vale a pena ainda apostar em opções ricas em triptofano, aminoácido essencial precursor da serotonina. É o caso das oleaginosas e da banana;

7. Lembre-se que não existe alimento milagroso. No entanto, especialistas consultados pelo EU Atleta afirmam que a cúrcuma, por seu potente efeito anti-inflamatório e antioxidante, pode ser uma aliada contra a depressão, conforme sugerem estudos;

8. Tenha uma dieta balanceada. Esse é o caminho para uma microbiota saudável e os muitos benefícios de um intestino saudável;

9. Não se esqueça de que saúde mental depende de uma série de fatores. A alimentação é muito importante, mas é preciso consultar terapeuta e psiquiatra para receber o diagnóstico e realizar o tratamento da depressão.

Especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, Bartira Lopes comenta que, nos últimos anos, estudos vêm estabelecendo uma associação entre alimentação e depressão. A nutricionista cita, por exemplo, uma pesquisa que aponta que a dieta ocidental, baseada em produtos alimentícios ultraprocessados e fast food ricos em açúcar, gordura, sódio e pobre nutricionalmente, pode aumentar o risco de depressão. Por outro lado, uma alimentação rica em antioxidantes, que inclua alimentos como frutas, legumes, verduras, grãos integrais, leite e derivados magros e com baixo consumo de alimentos de origem animal pode reduzir esse impacto. Nesse contexto, Bartira destaca que o fundamental é adotar uma dieta que garanta a saúde intestinal e o equilíbrio entre as bactérias boas e ruins que habitam a microbiota.

– Uma alimentação ruim com excesso de industrializados e ultraprocessados afeta diretamente o nosso intestino, que é o nosso segundo cérebro. Esse é o maior eixo de ligação do nosso corpo: intestino e cérebro. Se o intestino é comprometido, a absorção de nutrientes e suas funções também. A produção de vários neurotransmissores é feita no intestino. Cerca de 90% da serotonina (hormônio do bem-estar), cuja redução está ligada à depressão e à ansiedade, é produzida pelo intestino – comenta a nutricionista.

Para a psiquiatra especializada na área de Transtornos Alimentares e Obesidade Maria Francisca Mauro, embora haja estudos que estabeleçam relação entre alimentação e depressão, a maioria é de caráter observacional, e não pesquisas randomizadas controladas. Portanto, há mais espaço para aprofundamento. Afinal, como reforça a médica, vários fatores influenciam nesses casos. Indivíduos com histórico na família, por exemplo, são mais suscetíveis a sofrerem de depressão. Além disso, o meio em que a pessoa está inserida, o nível socioeconômico e até situações adversas e de estresse, como desemprego e eventos como a pandemia de Covid-19, podem predispor quadros depressivos. Contudo, a psiquiatra também chama a atenção para o papel da dieta.

Alimentação balanceada ajuda a manter o intestino saudável, contribuindo para suas funções, como a produção de serotonina — Foto: Internet
– A alimentação, assim como o exercício físico, tem desfecho importante para controle do humor. Quando aumenta-se a atividade de substâncias químicas que elevam o grau de inflamação, predispõem-se também as alterações de humor. Mas há pacientes que podem melhorar a alimentação, fazer exercício físico e levar uma vida sem estresse e continuar deprimidos, porque esse é um quadro psiquiátrico, e a depressão tem diferentes níveis. O importante é ter o diagnóstico, aprender a reorganizar a vida, incluindo exercícios e mudança de hábitos alimentares, e mensurar o que é preciso intervir com medicamento – explica a médica, acrescentando que pessoas com obesidade têm mais chance de evoluir para depressão, assim como indivíduos com esse transtorno podem experimentar um risco maior ficarem acima do peso.

Renato Caminha, mestre em Psicologia Social e da Personalidade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), evidencia que a dieta é uma variável de correlação em quadros depressivos. Da mesma maneira que não dá para afirmar que toda pessoa que fuma terá câncer, não é possível estabelecer uma relação causal entre alimentação e depressão. Porém, como a saúde mental é multifatorial, o psicólogo constata que a abordagem pode envolver não apenas o acompanhamento de terapeuta e psiquiatra, mas também de outras especialidades, entre elas nutricionista. Afinal, a alimentação, assim como a qualidade do sono e a prática de exercícios físicos, pode ter impacto na saúde mental do indivíduo. E, por serem fatores epigenéticos, podem reduzir ou aumentar a frequência gênica de estados mentais.

– A quebra do ciclo de sono afeta a bioquímica mental e agrava quadros de depressão e ansiedade. A alimentação também. Um livro clássico dos anos 70 já levantava uma correlação entre açúcar e estados mentais depressivos. Alimentos com corantes, estabilizantes e gordura em excesso, além de açúcar, de fato, agravam e estão correlacionados a estados mentais. Por outro lado, experimentos que tratam depressão incluem alimentos considerados neuroprotetores, como aqueles ricos em ômega 3 – observa o psicólogo, enfatizando que esse também é o caso de uma dieta antioxidante e anti-inflamatória.

A psiquiatra demonstra preocupação em estabelecer alimentos que sejam indicados para prevenção e tratamento da depressão, até porque muitas pessoas querem evitar o uso de medicamentos para transtornos mentais como essa doença, embora sejam fundamentais dependendo do quadro. Entretanto, na prática, nota-se que o paciente passa a se sentir melhor quando se alimenta bem. Por isso, a recomendação da psiquiatra é apostar em uma dieta balanceada, rica em alimentos frescos e preparados em casa, com menos processados e comida pronta, que, inclusive, têm alta capacidade de gerar compulsão alimentar.

– A pessoa, quando deprimida, busca conforto na comida. Alimentos hiperpalatáveis, como chocolate, biscoito, pizza e hambúrguer, dão um ápice de dopamina e um alívio no sintoma depressivo. O nosso cérebro tem um mecanismo de recompensa e esses pacientes buscam esse tipo de alimento rico em gorduras trans e açúcar para terem conforto – observa a médica.

Maria ainda comenta que é comum que pacientes com depressão percam a vontade de realizar atividades do dia a dia e optem pelo que demandará menos esforço. Com isso, passam a consumir com frequência refeições prontas.

– Abrir o aplicativo e pedir uma comida é mais fácil do que se planejar para cozinhar. Quem descasca o alimento, tempera, cozinha ou assa, tem noção do processo alimentar e uma relação diferente com a comida do que a pessoa que só abre o pacote. Mas, para quem tem depressão, tudo é muito difícil de fazer – explica a psiquiatra.

Por: Gabriela Bittencourt, para o EU Atleta — Rio de Janeiro

Fontes: Bartira Lopes é nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional. Também possui formação em modulação intestinal e nutrição comportamental.

Maria Francisca Mauro é psiquiatra mestre em Psiquiatria pelo Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria e Saúde Mental (Propsam) do Instituto de Psiquiatria (Ipub) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e atua na área de Transtornos Alimentares e Obesidade. É pesquisadora colaboradora no Programa de Obesidade e Cirurgia Bariátrica do Hospital Universitário Fraga Filho, da UFRJ, e membro do Grupo de Obesidade e Transtornos Alimentares do Ipub. Atualmente, é doutoranda do Propsam.

Renato Caminha é psicólogo mestre em Psicologia Social e da Personalidade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), terapeuta cognitivo e doutorando na Universidade do Algarve. É professor pesquisador na área de Psicoterapias Cognitivas na Infância, Transtorno do Estresse Pós-Traumático, Prevenção em Saúde Mental e Educação Socioemocional e professor convidado do Mestrado da Universidade Autônoma de Barcelona. Autor e coautor de obras na área das Terapias Cognitivas, é membro-fundador da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBIC), diretor do Instituto TRI de Educação Socioemocional e presidente do Congresso Brasileiro de Terapias Cognitivas da Infância e Adolescência, além de sócio e diretor de Ensino do InTCC-Brasil, voltado para ensino, pesquisa e atendimento individual e familiar.

Transcrito: https://ge.globo.com/eu-atleta/saude/noticia/como-a-alimentacao-pode-ajudar-no-combate-a-depressao.ghtml

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