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Obesidade pode levar à doença do fígado gorduroso

Diabetes e outros problemas ligados à resistência à insulina também são fatores de risco para a doença hepática gordurosa não alcoólica, que deve incluir dieta e exercícios no tratamento. Médico endocrinologista Guilherme Renke explica

À medida que a obesidade e o sobrepeso aumentam mundialmente, a doença hepática gordurosa não alcoólica também está se tornando cada vez mais comum. Também chamada de esteatose hepática ou fígado gorduroso, a doença acontece quando muita gordura se acumula nas células do fígado, representando um dos distúrbios metabólicos mais importantes do século 21 e a principal causa de doença hepática crônica e transplante de fígado em todo o mundo. Está ligada a obesidade, diabetes tipo 2 e outras doenças caracterizadas pela resistência à insulina. Se o fígado gorduroso não for tratado, pode progredir para uma doença hepática mais séria e outros problemas de saúde.

O acúmulo de gordura abdominal é uma das causas da doença hepática gordurosa — Foto: Istock Getty Images

Esse fenômeno pode estar associado ao estilo de vida moderno em países industrializados, que favorece uma vida sedentária e dietas hipercalóricas, promovendo obesidade e outras comorbidades crônicas. Esta situação constitui um grave problema de saúde pública.

O que leva ao desenvolvimento de fígado gorduroso

As causas exatas não são bem compreendidas, mas parece haver uma conexão entre a doença e a resistência à insulina.

A insulina é um hormônio. Quando seus músculos e tecidos precisam de glicose (açúcar) para obter energia, a insulina ajuda a sinalizar às células para absorverem a glicose do sangue. A insulina também ajuda o fígado a armazenar o excesso de glicose. Quando seu corpo desenvolve resistência à insulina, isso significa que suas células não respondem à insulina da maneira que deveriam. Como resultado, muita gordura acaba no fígado. Isso pode causar inflamação e cicatrizes no órgão.

Alguns fatores contribuintes para esta condição são:

1. Obesidade: a obesidade envolve inflamação de baixo grau que pode promover o armazenamento de gordura no fígado;

2. Excesso de gordura na barriga: pessoas com peso normal podem desenvolver esteatose hepática se forem “visceralmente obesas”, o que significa que carregam muita gordura ao redor da cintura;

3. Resistência à insulina: a resistência à insulina e os altos níveis de insulina demonstraram aumentar o armazenamento de gordura no fígado em pessoas com diabetes tipo 2 e síndrome metabólica;

4. Alta ingestão de carboidratos refinados: a ingestão frequente de carboidratos refinados promove o armazenamento de gordura no fígado, especialmente quando grandes quantidades são consumidas por indivíduos com sobrepeso ou resistentes à insulina;

5. Saúde intestinal prejudicada: pesquisas recentes sugerem que ter um desequilíbrio nas bactérias intestinais, problemas com a função de barreira intestinal ou outros problemas de saúde intestinal podem contribuir para o desenvolvimento da condição.

Fígado gorduroso não alcoólico em adultos com diabetes tipo 1

O fígado gorduroso está tipicamente associado ao diabetes tipo 2, obesidade e resistência à insulina. No entanto, indivíduos com diabetes tipo 1 tornaram-se mais obesos nas últimas décadas e esta condição também foi descrita nessa população.

Um atual estudo mostrou que o tecido adiposo visceral, isto é, o excesso de gordura localizado centralmente no abdômen, mas não a gordura corporal total ou periférica, está associado à doença hepática gordurosa não alcoólica em adultos com diabetes tipo 1, mostrando que o estado inflamatório e a baixa sensibilidade à insulina encontrados nesta população com excesso de gordura visceral estão associados ao desenvolvimento de um fígado gorduroso.

A influência da microbiota intestinal no fígado

A microbiota intestinal é um tópico emergente, pois nas últimas décadas ela demonstrou desempenhar um papel crítico no desenvolvimento da doença hepática gordurosa não alcoólica. Os sinais gerados pela ingestão alimentar e fatores ambientais que perturbam a composição da microbiota podem alterar a integridade da barreira intestinal.

Dieta ocidentalizada, rica em açúcares, alimentos processados, gorduras saturadas e pobre em fibras impacta negativamente a composição de bactérias do intestino (disbiose), aumentando a permeabilidade da parede intestinal e assim favorecendo a translocação de bactérias para a circulação sanguínea do nosso organismo. Essas bactérias levam a uma inflamação de baixo grau, a qual está associada ao comprometimento do fígado.

É fundamental olharmos atentamente à microbiota intestinal, pois ela possui influência na progressão da fibrose hepática em indivíduos com excesso de gordura no fígado. Resumindo, a inflamação causada por uma disbiose pode danificar as células do fígado, gerando cicatrizes irreversíveis, as quais comprometerão a função do órgão.

Diagnóstico

Geralmente não apresenta sintomas. Portanto, o diagnóstico costuma começar depois que um exame de sangue encontra níveis de enzimas hepáticas acima do normal. Mas também podem sugerir outras doenças hepáticas. Seu médico precisará descartar outras condições antes de diagnosticar doença hepática gordurosa não alcoólica.

Uma ultrassonografia do fígado pode ajudar a revelar o excesso de gordura no fígado. Qualquer exame para diagnóstico deve ser orientado e analisado por um médico qualificado.

Dieta e exercício físico como tratamento

As intervenções no estilo de vida continuam sendo o tratamento de primeira linha para a doença hepática gordurosa não alcoólica.

O fígado gorduroso resulta principalmente da ingestão de alto teor calórico e da falta de atividade física em um contexto de predisposição genética. Portanto, considerando a doença hepática gordurosa não alcoólica como a principal doença hepática influenciada pelo perfil alimentar, as mudanças no estilo de vida se tornaram fundamentais na abordagem clínica desse distúrbio descrito nas diretrizes atuais.

Hoje, a ciência nos mostra que uma dieta rica em alimentos antioxidantes e anti-inflamatórios é um caminho fundamental para a prevenção e tratamento de doenças metabólicas, incluindo a obesidade e a doença hepática gordurosa. Frutas e vegetais orgânicos, especiarias, nozes e azeite, alimentos típicos de uma dieta mediterrânea, mostram-se grandes aliados nesta cota de antioxidantes.

A dieta mediterrânea mostrou-se com grande potencial para a saúde metabólica. Ela é composta, de uma forma geral, por uma combinação equilibrada de frutas, vegetais, peixes, legumes, cereais e gorduras poli-insaturadas de azeite de oliva extravirgem, com um consumo reduzido de carne e laticínios e um consumo moderado de álcool, principalmente vinho tinto.

Com sua alta ingestão de antioxidantes, a dieta mediterrânea contribui substancialmente para a redução do risco cardiovascular e, em particular, para a redução da incidência de trombose, hipertensão, diabetes mellitus tipo 2 e obesidade. Na era da medicina baseada em evidências, ela pode ser considerada o padrão ouro na medicina preventiva, visando um vasto espectro de doenças. Seus benefícios se devem à combinação de diversos alimentos com propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias.

Muitos dos compostos desses alimentos que trazem benefícios ao organismo podem ser isolados e disponibilizados na forma de suplemento, como a curcumina do açafrão e o resveratrol do vinho tinto. Dieta rica em frutas e verduras, suplementos antioxidantes, probióticos para auxiliar a modulação da microbiota e a prática de atividade física apresentam ação sinérgica na manutenção da saúde do fígado. Para isso, é muito importante a orientação e acompanhamento médico e nutricional.

Conclusão

O tratamento que tem apresentado o melhor resultado é a abordagem multidisciplinar, com uma equipe que inclui médico, nutricionista e educador físico, sendo um manejo adequado a essas pessoas.

A intervenção nutricional que impulsiona a adesão a um padrão alimentar adequado e atividade física é mais eficaz do que qualquer opção farmacológica isolada. O tratamento envolve uma mudança constante nos hábitos de vida.

Para reduzir o risco de progressão da doença, siga um estilo de vida saudável e tenha o acompanhamento de profissionais capacitados.

Referências:

1. Abenavoli, L., Boccuto, L., Federico, A., Dallio, M., Loguercio, C., Di Renzo, L., & De Lorenzo, A. (2019). Diet and Non-Alcoholic Fatty Liver Disease: The Mediterranean Way. International journal of environmental research and public health, 16(17), 3011.

2. Dallio, M., Romeo, M., Gravina, A. G., Masarone, M., Larussa, T., Abenavoli, L., Persico, M., Loguercio, C., & Federico, A. (2021). Nutrigenomics and Nutrigenetics in Metabolic- (Dysfunction) Associated Fatty Liver Disease: Novel Insights and Future Perspectives. Nutrients, 13(5), 1679.

3. Hernández-Ceballos, W., Cordova-Gallardo, J., & Mendez-Sanchez, N. (2021). Gut Microbiota in Metabolic-associated Fatty Liver Disease and in Other Chronic Metabolic Diseases. Journal of clinical and translational hepatology, 9(2), 227–238.

4. Parente, E. B., Dahlström, E. H., Harjutsalo, V., Inkeri, J., Mutter, S., Forsblom, C., … & Groop, P. H. (2021). The Relationship Between Body Fat Distribution and Nonalcoholic Fatty Liver in Adults With Type 1 Diabetes. Diabetes Care.

Por: Guilherme Renke – Rio de Janeiro

Fonte: Guilherme Renke, Médico endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e Médico do Esporte Titular da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte

Transcrito: https://ge.globo.com/eu-atleta/saude/post/2021/06/10/obesidade-pode-levar-a-excesso-de-gordura-no-figado.ghtml

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